Um amplo ensaio clínico internacional randomizado (no qual os integrantes são escolhidos de forma aleatória) descobriu que indivíduos infectados pelo HIV têm um risco consideravelmente menor de desenvolver aids ou outras doenças graves se começarem a tomar medicamentos antirretrovirais mais cedo, quando suas contagens de células T-CD4 ? medida-chave da saúde do sistema imunológico ? estiverem altas, ao invés de esperar até que a contagem de CD4 caia para níveis mais baixos. Em conjunto com dados de estudos anteriores, os quais mostraram que a terapia antirretroviral (TARV) reduziu o risco de transmissão do HIV a parceiros sexuais não infectados, esses achados apoiam a oferta de tratamento para todas as pessoas com HIV.
A nova descoberta é do estudo START (Strategic Timing of AntiRetroviral Treatment), o primeiro ensaio clínico randomizado em larga escala a estabelecer os benefícios da terapia antirretroviral precoce para todos os indivíduos infectados pelo HIV. O Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), que integra os Institutos Nacionais de Saúde (equivalente americano do Ministério da Saúde), ofereceu o financiamento inicial para o estudo START. Embora o término do ensaio esteja previsto para o fim de 2016, uma revisão intermediária dos dados do estudo, por parte de um Conselho Independente de Monitoramento de Segurança de Dados (DSMB), recomendou que os resultados fossem liberados antes.
?Temos agora uma prova clara de que é significativamente maior o benefício para a saúde de uma pessoa infectada pelo HIV se esta iniciar a terapia antirretroviral mais cedo?, disse o diretor do NIAID, Anthony S. Fauci. ?Além disso, a terapia precoce proporciona um benefício duplo: ela não só melhora a saúde dos indivíduos, mas ao mesmo tempo, ao baixar sua carga viral, reduz o risco de transmitir o HIV a outras pessoas. Esses resultados têm implicações em nível mundial para o tratamento do HIV?.
?Este é um marco importante na pesquisa do HIV?, disse Jens Lundgren, da Universidade de Copenhague e um dos diretores do estudo START. ?Temos agora uma forte evidência de que o tratamento precoce é benéfico para a pessoa soropositiva. Esses resultados respaldam o tratamento de todos, independentemente da contagem de CD4?.
O estudo START, aberto em março de 2011, foi conduzido pela Rede Internacional para Iniciativas Estratégicas em Ensaios Globais de HIV (INSIGHT) em 215 locais de 35 países. O estudo envolveu 4.685 homens e mulheres infectados pelo HIV com 18 anos e mais, sendo a média de idade de 36 anos. Os participantes nunca haviam recebido TARV (tratamento com antirretrovirais) e foram recrutados com contagens de células CD4 na faixa normal ? acima de 500 células por milímetro cúbico (células/mm3). Aproximadamente metade dos participantes do estudo foram randomizados para iniciar terapia antirretroviral imediata (tratamento precoce), e os demais foram randomizados para adiar o tratamento até que sua contagem de CD4 caísse para 350 células/mm3. Em média, os participantes do estudo foram acompanhados durante três anos.
O estudo mediu uma combinação de resultados que incluiu eventos graves relacionados à aids (como o câncer relacionado à aids), eventos graves não relacionados à aids (cardiovasculares, doenças renais e hepáticas e câncer) e morte. Segundo dados de março de 2015, o DSMB encontrou 41 casos de aids, eventos graves não relacionados à aids ou morte entre os voluntários do grupo de tratamento precoce, em comparação com 86 eventos no grupo de tratamento adiado. Uma análise intermediária do DSMB encontrou que o risco de desenvolver doença grave ou morte foi reduzido em 53% entre os participantes do grupo de tratamento precoce, em comparação com os do grupo de tratamento tardio.
As taxas de eventos graves relacionados ou não à aids também foram menores no grupo de tratamento precoce, em comparação com o grupo de tratamento adiado. A redução do risco foi mais pronunciada para os eventos relacionados à aids. Os resultados foram homogêneos em todas as regiões geográficas, e os benefícios do tratamento precoce mostraram-se semelhantes para os participantes de países de renda baixa e média e participantes de países de renda alta.
?O estudo foi rigoroso e os resultados são claros?, disse o principal pesquisador do INSIGHT, James D. Neaton, professor de bioestatística na Universidade de Minnesota, Minneapolis. ?As conclusões definitivas a partir de um estudo randomizado como o START são suscetíveis de influenciar a estratégia da oferta da atenção a milhões de pessoas HIV-positivas em todo o mundo?. A Universidade de Minnesota serviu como patrocinadora regulamentar do ensaio e centro da gestão de dados e estatística.
Antes do ensaio START, não havia evidências baseadas em ensaios clínicos randomizados para orientar o início do tratamento nos indivíduos com altas contagens de células CD4. As evidências para apoiar o tratamento precoce nas pessoas HIV-positivas com contagens de CD4 acima de 350 células/mm3 limitavam-se a dados de ensaios não randomizados ou estudos de coorte observacionais, e na opinião de especialistas.
O START é o primeiro ensaio clínico randomizado de grande escala a oferecer provas científicas concretas para apoiar as atuais diretrizes de tratamento do HIV nos EUA, que recomendam que todos os indivíduos infectados pelo HIV assintomáticos tomem antirretrovirais, independentemente da contagem de células CD4. As atuais Diretrizes de Tratamento do HIV da Organização Mundial de Saúde recomendam que os indivíduos infectados pelo HIV comecem a terapia antirretroviral quando a contagem de CD4 cair para 500 células/mm3 ou menos.
À luz das conclusões do DSMB, os pesquisadores do estudo estão contatando todos os participantes dos resultados provisórios. Será oferecido tratamento a todos os participantes que não estiverem em terapia antirretroviral, os quais serão acompanhados até 2016.
BRASIL
Desde dezembro de 2013, com a adoção do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos, o Brasil indica aos profissionais de saúde o tratamento antirretroviral para todas as pessoas com HIV, independentemente dos níveis de CD4, o que resultou no aumento no número de pessoas com HIV em tratamento e com a carga viral indetectável.
A estimativa é que 734 mil pessoas vivam com o HIV em território nacional. Destas, 589 mil estão diagnosticadas (dados de 2013). Entre os diagnosticados, já aderiram ao tratamento com antirretrovirais 404 mil pessoas (49 mil delas somente no ano passado), e dentre os pacientes tratados, 338 mil encontram-se com a carga viral indetectável (45 mil deles somente em 2014).
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