Um dia depois da divulgação do relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) anunciando que a meta de deter a aids no mundo foi atingida, ouvimos gestores e infectologistas sobre os resultados do documento. Fábio Mesquita, diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, comemorou o reconhecimento atribuído ao Brasil. "O relatório de 500 páginas elogia o nosso país mais de dez vezes e mostra que o crescimento da aids na população jovem é fenômeno global", disse ele.
O relatório da ONU também destaca o país como pioneiro em algumas frentes. Uma delas, o acesso universal ao tratamento antirretroviral, desde 1996. Hoje, ainda segundo o relatório, o país tem aproximadamente metade das pessoas vivendo com HIV em tratamento, enquanto a média global é de 41%. Em 2014, gastou cerca de US$ 803 milhões com prevenção, cuidado e tratamento.
Outro pioneirismo foi a quebra de patente do antirretroviral efavirenz, em 2007. "A licença compulsória deste remédio mudou a forma como se negocia com a indústria farmacêutica, ou seja, quando o direito humano se sobrepõe ao direito comercial da empresa de colocar o preço que ela bem entende", destacou Fábio Mesquita, no Portal Brasil.
A produção de antirretrovirais genéricos no país, iniciada em 2002, foi outro ponto que contribuiu para deter o crescimento da aids no mundo, segundo a ONU. A iniciativa mereceu um elogio do diretor-executivo do Unaids (Programa das Nações Unidas Sobre HIV/Aids), Michel Sidibé.
"Quando Brasil e Tailândia começaram a fabricar antirretrovirais genéricos, realizaram algo muito inteligente: revelaram que as pílulas tinham custo de produção relativamente baixo. Isso mudou as reivindicações da indústria e abriu as portas para o Unaids começar a negociar com empresas, visando a redução dos preços dos medicamentos", ressaltou Sidibé, durante divulgação dos dados.
Mas nem tudo são flores. No mundo, o número de novas infecções por HIV diminuiu 35,5% entre 2000 e 2014. Já no Brasil, os novos casos aumentaram no mesmo período. Em 2000, estimava-se que o número de novos casos de HIV estava entre 29 mil e 51 mil. Em 2014, estimou-se entre 31 mil e 57 mil novos casos.
"Ainda é preciso avançar muito", reconheceu Fábio Mesquita. "De nossa parte, estamos com uma série de medidas dedicadas à juventude, incluindo a campanha #?partiiuteste em todas as festas, durante o ano todo, a capacitação de jovens líderes, que já vai para a segunda edição, agora em setembro, nosso apoio ao trabalho do projeto Viva Melhor Sabendo e a constituição de um núcleo de jovens trabalhando na área de prevencão do Departamento (com três pessoas) são algumas destas medidas amplamente reconhecidas pela Rede de Jovens Vivendo Com HIV/Aids."
Veja, a seguir, as considerações sobre o relatório "Como a Aids Mudou o Mundo ODM6: 15 Anos, 15 Lições de Esperança da Resposta à Aids" feita por outros gestores e infectologistas:
Rosa Alencar, coordenadora adjunta do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo: "O relatório chama atenção para a necessidade de mais investimentos e metas do milênio. Ele traz um panorama otimista sobre os avanços que alcançamos para sairmos da atual situação da epidemia. Embora tenha aumentado os casos de infecção no Brasil, em São Paulo, na população em geral, eles diminuíram. Em 1995, havia no estado 37 novos casos por dia e hoje são 17. Mas, a exemplo do que acontece no Brasil, em São Paulo a infecção aumentou entre homens jovens que fazem sexo com homens. Temos uma meta ambiciosa para alcançar até 2030 mas considero que temos investido bem em novas tecnologias de diagnóstico, em antirretrovirais e que a adesão ao tratamento aumentou e isso é muito importante."
Eliana Gutierrez, coordenadora do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo: "Os resultados nos trazem orgulho e esperança. Enquanto médica, tenho satisfação pessoal em fazer parte dessa história. Enquanto gestora, o compromisso de um trabalho contínuo e conjunto com a sociedade civil para que o município de São Paulo contribua para com o fim da epidemia em 2030 no mundo.?
Zarifa Khoury, infectologista do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, dos hospitais Emílio Ribas e Albert Einstein: "As informações desse relatório são ótimas, mas penso que ele deveria ter destacado também os benefícios clínicos que o tratamento precoce traz aos portadores do HIV. Muitos têm a ideia de que esse tratamento é mais para evitar a transmissão do que para benefício próprio e não é verdade. O estudo Start comprovou que o tratamento precoce reduz a mortalidade por doenças opressoras. Entâo, eu concordo com o relatório, mas além da transmissão eles deveriam ter falado dos benefícios individuais do usuário."
Marinella Della Negra, infectologista e professora da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo: "Os dados que mais me marcaram neste relatório é que os números de novas infecções caiu na África do Sul, em Moçambique, na Índia, e o Brasil, que tem um programa bem estruturado e que existe desde o ínicio da epidemia, não conseguiu ter queda. Onde está a falha? Está na hora de discutir isso."
Denise Lotufo, infectologista do Centro de Referência e Tratamento em DST/Aids (CRT-SP): "O relatório dá uma visão mundial, mas ainda tem muitos países em situação complicada. O Brasil ainda tem muito chão para caminhar, muitos desafios, como o aumento das infecções entre os jovens. Claro que temos várias frentes e linhas de cuidados, mas não podemos baixar a guarda. Eu vi no relatório que vários países que não tinham o tratamento passaram a ter. Mas existem aqueles que continuam sem. Ou seja, muita gente ainda sem acesso aos cuidados."
Antônio Nardi, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (em entrevista ao Portal Brasil): "O Brasil é reconhecido mundialmente como um país que contribuiu para os avanços e resultados que estão sendo apresentados agora.
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