A amfAR, uma organização sem fins lucrativos sediada em Nova York (EUA), começou sua Contagem Regressiva para a Cura da Aids, uma campanha com a finalidade de intensificar o programa de pesquisa da organização focado na cura do HIV. A amfAR não espera curar todos os soropositivos até 2020, mas alcançar os fundamentos científicos necessários para a cura até esta data, para que, em seguida, ela seja exaustivamente testada e então colocada em produção. Leia abaixo o artigo do blogueiro que assina a coluna Jovem Soropositivo publicado pela Brasil Post :
Por que a amfAR acredita que a cura é possível até 2020?
"Pela primeira vez na história, os obstáculos científicos diante da cura foram claramente iluminados. Com um esforço de pesquisa dirigido, colaborativo e agressivo, acreditamos que estes desafios podem ser superados, se fizermos os investimentos certos agora", destaca a organização.
A história da amfAR começa nos anos 80. Naquela altura, a epidemia estava no começo. Muitos dos ativistas, que poderiam falar em nome das pessoas com HIV/aids ou em apoio dos fundos federais americanos para pesquisa e prevenção da doença, não sobreviveram ao vírus. Foi para ajudar a preencher essa lacuna de vozes e levantar fundos privados para apoio à pesquisa médica e científica sobre o HIV/aids, que foi fundada a Aids Medical Foundation (AMF), em Nova York. Suas primeiras bolsas de pesquisa foram concedidas em 1984. Em setembro de 1985, a AMF se juntou à National Aids Research Foundation, dando luz à American Foundation for Aids Research -- a amfAR, criada e então presidida por Elizabeth Taylor.
Ativista da aids, Elizabeth se esforçou para tornar reconhecido o nome da fundação dentro dos Estados Unidos e, depois, no mundo todo. "A fama não é algo que vem sem responsabilidade", disse ela. "Se eu puder ajudar ainda mais uma causa importante simplesmente emprestando a minha voz, eu sinto que devo fazê-lo". Grande parte de seu trabalho inicial na amfAR consistia em falar sobre as realidades da doença, numa época em que pouquissimo era conhecido sobre o HIV. Para refletir o escopo cada vez mais internacional dos programas amfAR, em 2005 a organização se rebatizou para The Foundation for Aids Research.
A fonte de recursos da amfAR vem de doações oriundas de empresas, fundações, e, principalmente, indivíduos. Desde 1985, a organização já investiu mais de 388 milhões de dólares em seus programas e já distribuiu mais de 3.300 subsídios a times de pesquisadores do mundo todo. Com esse dinheiro, a fundação apoiou a primeira pesquisa que levou ao uso de antirretrovirais com o objetivo de bloquear a transmissão vertical -- da mãe para o bebê --, os primeiros estudos que levaram ao desenvolvimento dos antirretrovirais inibidores de protease, a pesquisa inicial que resultou no Fuzeon -- o primeiro antirretroviral da classe dos inibidores de fusão -, os estudos que levaram à identificação da importância da proteína CCR5 na infecção pelo HIV, programas de troca de seringas para usuários de drogas injetáveis, o primeiro estudo a demonstrar o potencial de uma vacina de DNA em retardar a progressão do vírus e uma pesquisa que trouxe as primeiras imagens tridimensionais do HIV enquanto ele faz o contato inicial com células suscetíveis, entre outras iniciativas. Agora, o plano é investir 100 milhões de dólares na pesquisa da cura do HIV, ao longo dos próximos seis anos.
O que mudou desde o início da epidemia, há mais de 30 anos, que tornou a cura uma ideia plausível?
"Talvez, o avanço mais importante tenha sido o caso do Paciente de Berlim, a primeira pessoa a ser curada do HIV, relatado em 2008. O caso forneceu uma prova de que uma cura é possível. Até aquele momento, a pesquisa da aids foi, em grande parte, um processo de descoberta. Agora, sabendo quais as questões científicas importantes que precisam ser respondidas, nós estamos entrando em uma nova fase da pesquisa: resolver os problemas que são um desafio tecnológico", conta a AmfaR.
Nunca estivemos em um momento de tanto otimismo na pesquisa da aids. Os avanços obtidos nos últimos anos trouxeram à comunidade científica uma nova compreensão a respeito dos desafios que devem ser superados para chegar a uma cura. O caso de Timothy Brown, o Paciente de Berlim, a primeira pessoa a ser curada do HIV no mundo, foi um divisor de águas no campo da pesquisa do HIV/aids e uma prova de que uma cura é possível: em 2007, ele recebeu um transplante de células-tronco, em Berlim, para tratar uma leucemia. Seu médico, o alemão Dr. Gero Hütter, decidiu tentar curar também a infecção pelo HIV de seu paciente, usando células de um doador que trazia duas cópias de uma mutação genética conhecida por oferecer uma resistência natural ao HIV -- porém, um procedimento arriscado demais para ser replicado em larga escala. Desde o transplante, Timothy não toma mais antirretrovirais e não tem sinais do HIV em seu organismo. Em 2013, depois de iniciar o tratamento antirretroviral precocemente, foi relatado que um grupo de pacientes franceses entrou para o rol dos "controladores pós-tratamento", o que quer dizer que eles ainda têm o vírus, mas em quantidade tão pequena que seus organismos se mostraram capazes de controlar naturalmente a infecção.
Para alcançar a meta ambiciosa de uma cura até 2020, a amfAR resolveu mudar a maneira que financia a pesquisa, afastando-se de uma estratégia de investimento passivo para uma mais agressiva, além de focar em abordagens colaborativas, analisando as questões não respondidas no campo da pesquisa do HIV. A fundação criou também um "roteiro de pesquisa", que enumera os quatro principais desafios científicos que representam as principais barreiras para a cura. Primeiro, mapear as localizações precisas dos reservatórios virais que ainda persistem de maneira latente no corpo, fora do alcance dos antirretrovirais atuais. Em segundo, entender como o HIV persiste nesses reservatórios. Depois, identificar a quantidade de vírus em estado latente. E, por último, eliminar o HIV. Para ajudar a dirigir a pesquisa e garantir que os investimentos serão feitos nas áreas mais promissoras, a amfAR criou seu "Conselho de Cura": um grupo de voluntários que reúne alguns dos principais especialistas em HIV/aids do mundo.
Em geral, estudos clínicos levam entre oito a dez anos para ser concluídos. Alcançar uma cura para o HIV em 2020 é mesmo viável?
"Nosso objetivo é alcançar os fundamentos científicos para uma cura até 2020. A probabilidade é que, quando soubermos como a cura se parece, levará algum tempo até ela ser exaustivamente testada e, em seguida, colocada em produção. É difícil saber quanto tempo esse processo vai demorar", salienta a fundação.
É preciso lembrar que o prazo de uma cura para 2020 não é uma estimativa que é consenso entre médicos e cientistas. "Timothy Brown é a prova de que a cura é possível", concorda o Dr. Esper Kallás, professor associado da Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da USP. "Entretanto, agora a cura precisa se tornar viável para todos. E isso é uma questão de tempo. Quem der um prazo estará especulando -- e isso não é ciência. Precisamos sempre esperar pelos resultados", concluiu.
Talvez, o prazo de 2020 seja mesmo ousado. Na pior das hipóteses, um chute arriscado. Afinal de contas, o futuro é em grande parte imprevisível. Todavia, também é verdade que essa é uma estimativa que faz parte de uma campanha robusta de investimento na pesquisa da cura e que vem de uma organização que esteve ao lado de quem vive com HIV desde o começo da epidemia, acompanhando e incentivando o avanço das pesquisas. Nesse sentido, mesmo que este prazo venha a se mostrar equivocado no futuro, já temos hoje alguém de peso que se sente à vontade em começar a arriscar uma data -- e isso, por si só, certamente é uma boa notícia.
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