Em artigo assinado para a ?Revista Radis?, vinculada a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e a ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca), o psicanalista e presidente do Grupo Pela Vidda/RJ, George Gouvea, aborda as expectativas para o fim da epidemia do HIV/aids diante de uma crise econômica global e as dificuldades e negligencias nacionais para alcançar essa meta. Leia abaixo o texto na integra:
O dia 14 de julho desse ano foi um marco em relação à luta mundial contra a aids. O Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV-aids) anunciou que a meta de tratar 15 milhões de pessoas soropositivas foi alcançada antecipadamente, e que novas infecções foram reduzidas em 35% e as mortes em 41%. Levando-se em consideração o cenário global, com a crise econômica na Europa, nos Estados Unidos da América, e as complicadas questões geopolíticas na África, o anúncio representa um feito impressionante.
Atualmente, por conta dessa conquista, é possível crer que a meta de acabar com a epidemia de aids até 2020 seja factível. Conhecida como ?meta 90/90/90?, ou seja, 90% das pessoas com HIV sabendo de sua sorologia, 90% dessas recebendo tratamento e 90% delas alcançando a carga viral indetectável, ela aponta para a real possibilidade de eliminar o HIV no mundo. Isto ocorre por conta dos estudos que indicam que iniciar logo o tratamento traz benefícios para o paciente, acarretando menos doenças graves e mortes associadas à aids, e que em caso de carga viral indetectável, reduz-se significativamente a possibilidade de transmissão do vírus.
Infelizmente, nem todas as notícias são alvissareiras, tendo em vista que o Brasil se encontra na contramão, em alguns aspectos, das boas novas ? a despeito de todo o esforço do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. Segundo o Unaids, o Brasil está testemunhando um aumento de novas infecções, que cresceram 11% entre 2005 e 2013, indo de encontro à média global, que apresenta queda.
Todo o empenho do Programa de Aids, representado hoje pela politica de ?testar e tratar? e a disponibilização dos comprimidos com duas e três substâncias, conhecidos como ?3 em 1? e ?2 em 1?, que facilitam a adesão ao tratamento, esbarra na falha crônica das campanhas de prevenção concentradas apenas no 1º de dezembro e no carnaval, e na censura que barra materiais dirigidos aos grupos mais vulneráveis diante da epidemia. Além disso, estamos diante do aumento de casos entre jovens na faixa etária de 15 a 24 anos, dado que por si comprova que as políticas de combate à aids estão falhando na comunicação com esse segmento. Para completar o quadro de preocupação, assistimos à inexplicável demora na implantação da profilaxia pré-exposição para as populações com maior vulnerabilidade ao HIV, a despeito de vários estudos apontarem para esse importante método de prevenção.
Além de todas as dificuldades em nível nacional, encontramos, em nível local, ou seja, nos estados e municípios, enormes dificuldades relacionadas à negligência dos poderes executivos que escolhem, deliberadamente, não considerar o combate à epidemia da aids uma prioridade. Desta forma, milhares de vidas são ceifadas por falta de leitos, de médicos capacitados, emergências que não funcionam e absoluta ausência das campanhas de prevenção em âmbito local. Cerca de 12 mil mortes por ano causadas pela aids parecem não sensibilizar os corações daqueles que deveriam prover os sistemas de assistência a pessoas soropositivas de condições dignas de atendimento.
Esperar uma resposta que nos faça concretizar o sonho do fim da epidemia da aids no mundo dependerá basicamente do empenho e comprometimento de todos os países, principalmente os mais ricos. Cabe aos principais líderes do mundo abraçar a meta 90/90/90, para que possamos viver num mundo livre do HIV. Em nosso país, somente um conjunto de ações coordenadas e um pacto entre diversas instâncias poderá provocar uma resposta vitoriosa, com a diminuição das mortes e das novas infecções, principalmente entre os grupos mais vulneráveis. Essa luta dependerá da conscientização de todos os atores sociais e da defesa intransigente dos direitos humanos, do respeito às diferenças e do incremento das políticas públicas voltadas para a assistência as pessoas vivendo com HIV/aids, além de permanentes campanhas de prevenção. Caso contrário, corremos o risco de testemunharmos um recrudescimento da epidemia.
Foto: Carolina Niemeyer
Fonte : Revista Radis Comunicação e Saúde
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