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28 DEZ 2015
"O empresariado no Brasil não sabe o que fazer quando o funcionário conta que tem HIV", destaca "Época"
Em 1994, a paulistana Silvia Almeida contraiu HIV. Descobriu o vírus porque o marido, acometido por uma tuberculose, recebeu o diagnóstico de que tinha aids, informa a revista ?Época?. ?Meu mundo caiu?, diz Silvia. Com dois filhos pequenos ? a mais velha estava com 11 anos e o caçula, com 2 - Silvia, naquele momento, desesperou-se. ?Não via luz no fim do túnel?.
Hoje, 22 anos depois, Silvia está com saúde para curtir os dois netos e para cumprir uma agenda movimentada por seu trabalho como consultora de prevenção à aids. Recém-aposentada da mineradora Anglo American, onde permaneceu por 30 anos, Silvia agora ajuda grandes empresas a realizar programas de prevenção entre os funcionários, além de auxiliar no desenvolvimento de políticas internas para melhorar o acolhimento de profissionais portadores do vírus.
Seu desafio agora, ela diz, é ?mexer na cabeça no empresariado brasileiro? para que ele tenha a dimensão da importância de tratar do tema dentro do ambiente de trabalho. ?O que você fará se um empregado bater à sua porta para dizer que está com HIV??, diz Silvia. ?Essa é uma situação com a qual a maioria dos executivos ainda não sabe lidar.?
Diretora do Instituto Cultural Barong e integrante do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), duas ONGs de apoio a pessoas vivendo com HIV/aids, Silvia conta que cansou de ouvir histórias de pessoas que, após expor sua situação no escritório, são preteridas em promoções ou demitidas ? embora a lei proíba esse tipo de atitude.
?Nós temos no Brasil cerca de 800 mil pessoas infectadas e muitas delas em uma faixa de idade bastante produtiva?, diz Sandra. ?Não se pode privar esses profissionais do direito de trabalhar ? e com dignidade.?
Na entrevista a seguir, Silvia fala de sua experiência, dos desafios de teve de enfrentar e de como as empresas podem evoluir em relação ao tema.
As empresas brasieliras estão preparadas para acolher, sem preconceitos, funcionários portadores de HIV?
Definitivamente, não. Infelizmente, o empresariado brasileiro é omisso em relação ao tema e pouquíssimos gestores saberiam como agir se um funcionário batesse à porta deles para contar que está com o vírus. Hoje, estima-se que apenas 4% das empresas em atuação no Brasil tenham programas efetivos de prevenção ao HIV e inclusão de funcionários como vírus. Eu trabalho em várias ONGs de apoio a pessoas portadoras do vírus e com aids e ouço muitos relatos de pessoas que, pouco depois de informar a empresa sobre o diagnóstico, foram demitidas. Às vezes, são profissionais que tinham acabado de ser promovidos, portanto, estavam desempenhando um bom trabalho. Isso precisa mudar, é preciso começar a pensar diferente sobre o tema.
O que explica essa discriminação?
Falso moralismo e desinformação. Existe ainda uma situação ligada à moralidade dentro de uma situação que é científica, matemática. A epidemia é algo matemático. A sociedade perdeu muito tempo culpando grupos. Não se teve o entendimento de que a infecção existe para qualquer pessoa que tenha relações sexuais sem preservativo. Enquanto os empresários não entenderem que seus funcionários têm vida sexual ativa e, portanto, estão sujeitos à infecção, se não conhecerem as formas de prevenção, as políticas nas empresas não vão evoluir.
Por que é importante que as empresas comecem a adotar políticas de prevenção e inclusão?
A única forma de acabar com a epidemia é com informação e essa informação precisa chegar aos escritórios e às fábricas. É onde as pessoas passam a maior parte de seu tempo. O objetivo da Organização Mundial de Saúde (OMS) é erradicar a aids até 2030. Para isso, é preciso esclarecer as pessoas. A ideia sobre a doença foi construída de forma errônea. Agora, é preciso desconstruir para combater. As empresas têm um papel importante nesse desafio. E, como consultora de prevenção, eu sei que elas estão fazendo muito menos do que poderiam para conter a epidemia.
O que as empresas poderiam fazer no combate à epidemia?
Não são coisas nada sofisticadas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem recomendações para que as empresas atuem na questão da aids, mas essas recomendações não são seguidas. Elas dizem basicamente que o HIV e a aids devem ser temas reconhecidos e tratados no ambiente de trabalho. Então, falar sobre isso já é o primeiro passo. Na Anglo American, onde trabalhei, até hoje há preservativos nos banheiros. É algo simples, mas efetivo, sobretudo porque coloca o assunto à vista das pessoas.
E quais seriam as orientações para o gestor ou o profissional de RH tratar casos de funcionários com HIV?
As pessoas com vírus continuam vivas e ativas. Não há motivos para que uma empresa demita alguém que está infectado a não ser pelo fato exclusivo de não saber lidar com isso. Eu vou usar a minha história como exemplo. Quando recebi o diagnóstico, meu mundo desmoronou. Evidentemente, isso estava prejudicando o meu trabalho. Eu passei meses até decidir contar para minha gestora. À época, eu era telefonista na Anglo American. A empresa tem forte atuação na África, onde a incidência da doença é muito alta. Já havia um programa estruturado, mas eu nem sabia. Eu recebi todo o suporte que poderia ter recebido, emocional e financeiro. À época, o tratamento não era gratuito no Brasil e a empresa pagou o que precisava ser pago naquele período. Além disso, eu também tive incentivos para participar de programas de apoio fora da empresa e isso me fortaleceu muito. Como resultado, eu pude voltar e compartilhar isso com outros funcionários. O mais importante é que me senti acolhida e isso foi fundamental. Abrir minha história para os demais funcionários foi escolha minha. Se eu quisesse, internamente, meus gestores teriam mantido o caso em sigilo. Eu, no entanto, senti necessidade de compartilhar o que estava vivendo. Foi algo muito importante para a empresa e para mim. Acabei sendo transferida para a área de responsabilidade social e passei muito tempo ajudando a adaptar os programas que a empresa já tinha à realidade do Brasil.
Se ainda existe preconceito por que o funcionário deve falar aos gestores que tem HIV?
Porque essa atitude dá nome, sobrenome e vida à pessoa que tem HIV. Falar sobre a situação ajuda a pessoa a sentir-se incluída. A falta de informação é o grande vilão do preconceito e da propagação da epidemia. O funcionário não deve ser obrigado a falar. Mas ele pode falar, se quiser. E ele não deve ser hostilizado por isso.
Você sentiu algum tipo de preconceito no trabalho ou na rua?
O fato de eu ter sido casada e ter me infectado dentro de um casamento me deu uma proteção de "vítima". E isso não deveria acontecer. Porque ao meu olhar a sociedade toda é vítima. O meu marido (falecido em 1996) foi também vítima porque ele não tinha informação e se infectou como igualmente se infectaram 40 milhões de pessoas no mundo (em dezembro de 2014 eram 37 milhões de infectados, segundo dados OMS). Hoje, quando vejo alguém se afastar porque conto que tenho HIV, eu vejo essa pessoa cada vez mais vulnerável para se infectar.
Como tem sido viver com HIV?
Eu nunca adoeci, continuo ativa e muito disposta para aproveitar os bons momentos com meus netos. Hoje a medicação está avançada e os portadores de HIV têm uma qualidade de vida praticamente normal. O único problema, facilmente contornável, é que os medicamentos acabam fazendo com o que o corpo desenvolva a lipodistrofia (a desorganização das gorduras no organismo). As pessoas emagrecem muito nos membros inferiores e superiores e acabam concentrando gordura em áreas toráxicas, barriga, pescoço, costas, seios. Evito isso fazendo atividade física. Eu sempre digo que a nossa postura pessoal é o nosso melhor cartão de visita. Como eu lido com HIV é como as pessoas vão ver o HIV a partir de mim. Com exercícios e uma alimentação regular e a pessoa pode ficar muito bem.

Fonte : Revista Época
Fonte: http://agenciaaids.com.br/home/noticias/noticia_detalhe/24333#.Vo_2EfkrKM8
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28 DEZ 2015
"O empresariado no Brasil não sabe o que fazer quando o funcionário conta que tem HIV", destaca "Época"
Em 1994, a paulistana Silvia Almeida contraiu HIV. Descobriu o vírus porque o marido, acometido por uma tuberculose, recebeu o diagnóstico de que tinha aids, informa a revista ?Época?. ?Meu mundo caiu?, diz Silvia. Com dois filhos pequenos ? a mais velha estava com 11 anos e o caçula, com 2 - Silvia, naquele momento, desesperou-se. ?Não via luz no fim do túnel?. Hoje, 22 anos depois, Silvia está com saúde para curtir os dois netos e para cumprir uma agenda movimentada por seu trabalho como consultora de prevenção à aids. Recém-aposentada da mineradora Anglo American, onde permaneceu por 30 anos, Silvia agora ajuda grandes empresas a realizar programas de prevenção entre os funcionários, além de auxiliar no desenvolvimento de políticas internas para melhorar o acolhimento de profissionais portadores do vírus. Seu desafio agora, ela diz, é ?mexer na cabeça no empresariado brasileiro? para que ele tenha a dimensão da importância de tratar do tema dentro do ambiente de trabalho. ?O que você fará se um empregado bater à sua porta para dizer que está com HIV??, diz Silvia. ?Essa é uma situação com a qual a maioria dos executivos ainda não sabe lidar.? Diretora do Instituto Cultural Barong e integrante do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), duas ONGs de apoio a pessoas vivendo com HIV/aids, Silvia conta que cansou de ouvir histórias de pessoas que, após expor sua situação no escritório, são preteridas em promoções ou demitidas ? embora a lei proíba esse tipo de atitude. ?Nós temos no Brasil cerca de 800 mil pessoas infectadas e muitas delas em uma faixa de idade bastante produtiva?, diz Sandra. ?Não se pode privar esses profissionais do direito de trabalhar ? e com dignidade.? Na entrevista a seguir, Silvia fala de sua experiência, dos desafios de teve de enfrentar e de como as empresas podem evoluir em relação ao tema. As empresas brasieliras estão preparadas para acolher, sem preconceitos, funcionários portadores de HIV? Definitivamente, não. Infelizmente, o empresariado brasileiro é omisso em relação ao tema e pouquíssimos gestores saberiam como agir se um funcionário batesse à porta deles para contar que está com o vírus. Hoje, estima-se que apenas 4% das empresas em atuação no Brasil tenham programas efetivos de prevenção ao HIV e inclusão de funcionários como vírus. Eu trabalho em várias ONGs de apoio a pessoas portadoras do vírus e com aids e ouço muitos relatos de pessoas que, pouco depois de informar a empresa sobre o diagnóstico, foram demitidas. Às vezes, são profissionais que tinham acabado de ser promovidos, portanto, estavam desempenhando um bom trabalho. Isso precisa mudar, é preciso começar a pensar diferente sobre o tema. O que explica essa discriminação? Falso moralismo e desinformação. Existe ainda uma situação ligada à moralidade dentro de uma situação que é científica, matemática. A epidemia é algo matemático. A sociedade perdeu muito tempo culpando grupos. Não se teve o entendimento de que a infecção existe para qualquer pessoa que tenha relações sexuais sem preservativo. Enquanto os empresários não entenderem que seus funcionários têm vida sexual ativa e, portanto, estão sujeitos à infecção, se não conhecerem as formas de prevenção, as políticas nas empresas não vão evoluir. Por que é importante que as empresas comecem a adotar políticas de prevenção e inclusão? A única forma de acabar com a epidemia é com informação e essa informação precisa chegar aos escritórios e às fábricas. É onde as pessoas passam a maior parte de seu tempo. O objetivo da Organização Mundial de Saúde (OMS) é erradicar a aids até 2030. Para isso, é preciso esclarecer as pessoas. A ideia sobre a doença foi construída de forma errônea. Agora, é preciso desconstruir para combater. As empresas têm um papel importante nesse desafio. E, como consultora de prevenção, eu sei que elas estão fazendo muito menos do que poderiam para conter a epidemia. O que as empresas poderiam fazer no combate à epidemia? Não são coisas nada sofisticadas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem recomendações para que as empresas atuem na questão da aids, mas essas recomendações não são seguidas. Elas dizem basicamente que o HIV e a aids devem ser temas reconhecidos e tratados no ambiente de trabalho. Então, falar sobre isso já é o primeiro passo. Na Anglo American, onde trabalhei, até hoje há preservativos nos banheiros. É algo simples, mas efetivo, sobretudo porque coloca o assunto à vista das pessoas. E quais seriam as orientações para o gestor ou o profissional de RH tratar casos de funcionários com HIV? As pessoas com vírus continuam vivas e ativas. Não há motivos para que uma empresa demita alguém que está infectado a não ser pelo fato exclusivo de não saber lidar com isso. Eu vou usar a minha história como exemplo. Quando recebi o diagnóstico, meu mundo desmoronou. Evidentemente, isso estava prejudicando o meu trabalho. Eu passei meses até decidir contar para minha gestora. À época, eu era telefonista na Anglo American. A empresa tem forte atuação na África, onde a incidência da doença é muito alta. Já havia um programa estruturado, mas eu nem sabia. Eu recebi todo o suporte que poderia ter recebido, emocional e financeiro. À época, o tratamento não era gratuito no Brasil e a empresa pagou o que precisava ser pago naquele período. Além disso, eu também tive incentivos para participar de programas de apoio fora da empresa e isso me fortaleceu muito. Como resultado, eu pude voltar e compartilhar isso com outros funcionários. O mais importante é que me senti acolhida e isso foi fundamental. Abrir minha história para os demais funcionários foi escolha minha. Se eu quisesse, internamente, meus gestores teriam mantido o caso em sigilo. Eu, no entanto, senti necessidade de compartilhar o que estava vivendo. Foi algo muito importante para a empresa e para mim. Acabei sendo transferida para a área de responsabilidade social e passei muito tempo ajudando a adaptar os programas que a empresa já tinha à realidade do Brasil. Se ainda existe preconceito por que o funcionário deve falar aos gestores que tem HIV? Porque essa atitude dá nome, sobrenome e vida à pessoa que tem HIV. Falar sobre a situação ajuda a pessoa a sentir-se incluída. A falta de informação é o grande vilão do preconceito e da propagação da epidemia. O funcionário não deve ser obrigado a falar. Mas ele pode falar, se quiser. E ele não deve ser hostilizado por isso. Você sentiu algum tipo de preconceito no trabalho ou na rua? O fato de eu ter sido casada e ter me infectado dentro de um casamento me deu uma proteção de "vítima". E isso não deveria acontecer. Porque ao meu olhar a sociedade toda é vítima. O meu marido (falecido em 1996) foi também vítima porque ele não tinha informação e se infectou como igualmente se infectaram 40 milhões de pessoas no mundo (em dezembro de 2014 eram 37 milhões de infectados, segundo dados OMS). Hoje, quando vejo alguém se afastar porque conto que tenho HIV, eu vejo essa pessoa cada vez mais vulnerável para se infectar. Como tem sido viver com HIV? Eu nunca adoeci, continuo ativa e muito disposta para aproveitar os bons momentos com meus netos. Hoje a medicação está avançada e os portadores de HIV têm uma qualidade de vida praticamente normal. O único problema, facilmente contornável, é que os medicamentos acabam fazendo com o que o corpo desenvolva a lipodistrofia (a desorganização das gorduras no organismo). As pessoas emagrecem muito nos membros inferiores e superiores e acabam concentrando gordura em áreas toráxicas, barriga, pescoço, costas, seios. Evito isso fazendo atividade física. Eu sempre digo que a nossa postura pessoal é o nosso melhor cartão de visita. Como eu lido com HIV é como as pessoas vão ver o HIV a partir de mim. Com exercícios e uma alimentação regular e a pessoa pode ficar muito bem. Fonte : Revista Época
Fonte: http://agenciaaids.com.br/home/noticias/noticia_detalhe/24333#.Vo_2EfkrKM8
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