Por Ana Luiza BasĂlio, do Centro de ReferĂȘncias em Educação Integral, com Cidade Escola Aprendiz
'Ao norte da cidade de Churchill, provĂncia de Manitoba, CanadĂĄ, um urso polar faminto desiste de atacar dois huskys siberianos ao notar que a fĂȘmea se coloca em posição de brincadeira'.
'Charles Whitman, mais conhecido como o assassino do Texas Tower, autor de um assassinato em massa em 1996, foi uma pessoa marcada pela ausĂȘncia de brincadeiras e isso o tornou mais suscetĂvel Ă tragĂ©dia que causou'.
As situaçÔes, aparentemente desconexas, tratam da mesma questĂŁo: o brincar. Na primeira, ele aparece como um elemento que provoca uma mudança em um comportamento aparentemente dado e natural, de um predador que ataca sua presa; na segunda, como suporte fundamental ao desenvolvimento integral de um indivĂduo.
Esses relatos compÔem a fala do pesquisador Stuart Brown, especialista sobre o ato de brincar que, durante palestra ao TEDx, em 2009, reforça que 'brincar é mais do que diversão, é vital'.
'Nada ilumina tanto o cérebro quanto o brincar'
Para o pesquisador, embora o brincar seja comumente associado Ă infĂąncia, o ato nĂŁo deve se limitar a essa fase da vida. A perda dessa capacidade, bem comum na fase adulta, em sua anĂĄlise, diz de uma perda de cultura.
Brown reforça que a brincadeira não precisa de outro propósito que o simples fato de brincar; e que, exigir além disso é deslegitimar o ato. Nessa perspectiva, coloca que as brincadeiras podem estabelecer conexão somente com o corpo, ou deste com algum objeto e que, de qualquer forma, parte de uma curiosidade, de uma necessidade de exploração.
Outro ponto, em sua leitura fundamental para o desenvolvimento dos indivĂduos, Ă© o brincar como elemento social que faz com que as crianças identifiquem a si mesmas e aos outros, e estabeleçam seus modos de convivĂȘncia, suas regras e percepção do coletivo. Por isso, defende: 'as crianças na prĂ©-escola deveriam poder mergulhar, bater, assobiar, gritar, serem caĂłticas e desenvolverem atravĂ©s disso muito de sua regulação emocional e muitos outros sub produtos sociais - cognitivos, emocionais e fĂsicos que fazem parte do ritual de brincar'.
O especialista convida às pessoas, essencialmente as adultas, a buscarem em suas memórias lembranças de antepassados relacionadas ao brincar, como durante as férias ou em algum aniversårio. E sugere que, cada um, avalie como esse momento se conecta à vida atual, como forma de resgatar o papel estruturante da brincadeira.
O potencial das brincadeiras
AlĂ©m de ser uma maneira acessĂvel das crianças fazerem a sua leitura do mundo, a brincadeira possibilita o desenvolvimento de aspectos fĂsicos, motores e cognitivos, bastante indispensĂĄveis para a saĂșde e bem estar delas. Valores como companheirismo, autonomia, liderança e solidariedade tambĂ©m estĂŁo embutidos em diversas formas do brincar. Por isso, a defesa de que as escolas respeitem o tempo das brincadeiras, sem que seja colocada nelas, intencionalmente, uma proposta de aprendizagem ou a interferĂȘncia de adultos.
A experiĂȘncia da brincadeira, por si sĂł, acaba por contemplar um potencial educativo, visto que estĂŁo colocadas nessas situaçÔes a imaginação e a criatividade da criança, e o envolvimento do corpo e mente.
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