A violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentes apresenta causas mĂșltiplas e complexas. Ela estĂĄ relacionada com questĂ”es sociais, econĂŽmicas e culturais e deve ser analisada com cuidado e critĂ©rio levando em conta as diferentes variĂĄveis para o abuso e a exploração sexual. AlĂ©m das causas diversas, existem tambĂ©m contextos em que o problema se insere que podem agravĂĄ-lo ou dificultar o seu enfrentamento.
Um problema, vĂĄrias causas
A violĂȘncia sexual assusta e estĂĄ coberta por um manto de tabu e silĂȘncio. Ao mesmo tempo em que Ă© difĂcil falar do assunto, nĂŁo se pode atribuir uma causa especifica. Ă comum escutar que a causa Ă© a pobreza, que isso ?acontece no Nordeste? ou que Ă© ?culpa do pedĂłfilo?. Identificar as diversas origens deste problema Ă© fundamental para poder enfrentĂĄ-lo.
Os fatores indutores da violĂȘncia sexual precisam ser combinados com grupos sociais e culturais, momentos histĂłricos e caracterĂsticas econĂŽmicas. Isolado, um fator como a pobreza nĂŁo deve ser considerado indutor da violĂȘncia.
Segundo a sociĂłloga Graça Gadelha, consultora da Childhood Brasil e especialista na ĂĄrea da infĂąncia, pesquisas apontam que fatores econĂŽmicos sĂŁo aspectos propiciadores e facilitadores da violĂȘncia sexual, mas nĂŁo sĂŁo determinantes. ?O abuso sexual no Brasil nĂŁo tem uma classe social?, afirma.
JĂĄ a exploração sexual pressupĂ”e uma relação de mercantilização em que o sexo Ă© fruto de uma troca, seja ela financeira, de favores ou presentes ? podendo atĂ© ser um prato de comida. Muitas vezes o agressor acredita estar ajudando a criança e o adolescente. ?Infelizmente ainda permanecem diversas fragilidades relacionadas Ă sobrevivĂȘncia, que nos dĂŁo mais elementos para dizer que a exploração sexual tende a acontecer com mais frequĂȘncia com os menos favorecidos economicamente?, diz Graça.
TambĂ©m temos que considerar o fato de famĂlias menos favorecidas terem menor condição de acompanhar e orientar seus filhos por trabalharem fora e nĂŁo terem uma rede de apoio. Por outro lado, a insuficiĂȘncia ou falta de polĂticas pĂșblicas na vĂĄrias esferas nĂŁo apoiam e nem garantem um atendimento integrado, contĂnuo e de qualidade a essas famĂlias.
Contextos em que a causa se insere
Quando falamos de polĂticas pĂșblicas, Ă© importante observar a sua fragilidade e como isso impacta diretamente na persistĂȘncia de alguns casos de violĂȘncia sexual. Campanhas educativas e de mobilização como as que acontecem no dia 18 de Maio e do Disque 100, lideradas pela Secretaria de Direitos Humanos, cumprem seu papel na prevenção. Aperfeiçoar o Sistema de Garantia de Direitos Ă© fundamental para o atendimento e atenção adequados nĂŁo sĂł para crianças e adolescentes, como para suas famĂlias e para os agressores.
Os agressores podem ser portadores de algum distĂșrbio que os leva a praticar a violĂȘncia sexual. A ausĂȘncia de polĂticas pĂșblicas orientadas para esse pĂșblico tambĂ©m sĂŁo fatores de risco que incidem em casos de violĂȘncia.
A falta de informação tambĂ©m Ă© um ponto crĂtico. Desde como abordar temas relativos Ă sexualidade atĂ© sobre os organismos que podemos contar e como e onde notificar. Esse Ășltimo ponto contribui para a subnotificação dos casos que nĂŁo nos permite ter um cenĂĄrio real do problema no paĂs. Outro fator que contribui para subnotificação Ă© a dependĂȘncia dos companheiros no orçamento familiar ? o que pode explicar em muitos casos a falta de notificação quando o pai ou padrasto sĂŁo os autores da agressĂŁo. Por outro lado, crianças e adolescentes das classes mĂ©dia e alta sĂŁo geralmente atendidos por mĂ©dicos, psicĂłlogos ou psiquiatras particulares, fazendo com que a notificação nĂŁo chegue ao Sistema de Garantia de Direitos, aumentando as subnotificaçÔes.
A dificuldade em se ter um cenĂĄrio apurado influencia na existĂȘncia de polĂticas pĂșblicas e projetos para este problema especĂfico.
Fatores culturais
Os fatores culturais tambĂ©m tĂȘm um peso importante quando falamos de violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentes. E neste universo entra a questĂŁo de gĂȘnero, os rituais sobre iniciação sexual, tradiçÔes de grupos especĂficos, um forte apelo ao consumo, erotização infantil, entre outras coisas.
A mulher ainda Ă© vista como objeto. E muitas propagandas, como as de cerveja, reforçam esse estigma. ?Ă uma questĂŁo que estĂĄ inserida na matriz cultural brasileira, na forma de ser do homem e da mulher no Brasil, e no exercĂcio da masculinidade?, diz Graça.
Apesar de haver um maior nĂșmero de casos de homens abusadores do que de mulheres, e da maioria das vĂtimas ser do sexo feminino, nĂŁo Ă© incomum acontecerem violaçÔes contra meninos praticadas tanto por homens quanto por mulheres. Esses casos, porĂ©m, sĂŁo menos denunciados, pois causa constrangimento, e os dados da realidade acabam sendo mascarados. ?O menino fica com vergonha de falar, pois ele Ă© treinado para ser ?macho??, conclui Itamar. A ausĂȘncia de polĂticas pĂșblicas ou projetos para atender meninos tambĂ©m dificulta a notificação e encaminhamento desses casos.
A violĂȘncia Ă© um substantivo plural, e tem diversas manifestaçÔes. Sua ocorrĂȘncia estĂĄ muitas vezes baseada em uma relação de poder em relação Ă vĂtima. Esse poder pode ser tanto econĂŽmico, geracional, de força fĂsica, de classe social, ou mesmo de gĂȘnero. Refletir sobre o papel de cada um e cada grupo na sociedade e como isso impacta na vulnerabilidade de crianças e adolescentes a violĂȘncia Ă© fundamental.
Enfrentar a violĂȘncia sexual Ă© olhar todos esses fatores e contextos com cuidado para nĂŁo estigmatizar grupos, cenĂĄrios ou causas.
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