Por Pedro Ribeiro Nogueira, do Portal Aprendiz, com Cidade Escola Aprendiz
Um velho ditado, atribuÃdo a diversas origens, diz que para criar uma criança é necessário uma aldeia inteira. Se considerarmos essa aldeia uma de nossas cidades, fica a sensação de que há tempos nos desgarramos dessa tarefa coletiva que é pensar e agir sobre o desenvolvimento integral das pessoas. A organização social de nosso meio urbano criou divisões, especializações, setores e responsabilidades que alheiam-se umas das outras.
Completando 25 anos em 13 de julho deste ano, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, é categórico em afirmar, em seu artigo 4º: ?É dever da famÃlia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária?. Para o Estatuto, é dever de todos prevenir a ?ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente?.
Mas por que isso é importante? Porque a igualdade tem que começar desde cedo. Pelo menos, é o que defende James Heckmann, economista americano vencedor do Prêmio Nobel no ano 2000. Ao longo de quarenta anos, Heckmann estudou crianças de dois grupos: um grupo que recebia atendimento qualificado e outro em situação de vulnerabilidade. Ao longo do desenvolvimento da vida dessas pessoas, notou que os Ãndices de gravidez na adolescência, os salários e o desempenho cognitivo apresentavam mudanças significativas. ?É a partir daà que começa a surgir a grande divisão, fazendo com que a desigualdade se perpetue nas gerações posteriores?, afirmou em visita ao Brasil, em 2009.
Sua pesquisa desmentiu os mitos de que uma pessoa herda habilidades especiais ao nascer e a colocou no campo de potencial a serem desenvolvidos. Ele é o autor da estimativa de custo benefÃcio de que a cada dólar investido na primeira infância - dos 0 a 6 anos - nove voltaram para a sociedade. ?Um programa de primeira infância de qualidade para a população carente é uma condição necessária para avançarmos em direção a uma sociedade mais educada, igualitária e, sobretudo, menos violenta?, atesta.
Para Heckmann, ensino não é o único investimento necessário. ?Quando se pensa em ensino, pensa-se basicamente sobre QI, em como desenvolvê-lo, e não em se criar caráter, em promover motivação, cidadania, em propiciar que as pessoas se socializem com outras, e se engajem. Enfim, em coisas que têm um papel muito maior em nossa vida. Isso é negligenciado aqui no Brasil e em toda parte. É um problema que os responsáveis pela criação de polÃticas não encaram?, diagnostica o pesquisador.
Essa visão é coadunada por Gabriela Pluciennik, coordenadora de projetos da Fundação Maria CecÃlia Souto Vidigal, que enxerga que a assistência dos primeiros anos de vida irá se disseminar sobre o desenvolvimento integral da criança e terá reflexos na vida futura se ele for promovido desde cedo. ?Quando a gente fala em desenvolvimento da criança, falamos na esfera da sua integralidade, nos aspectos cognitivos, emocionais e biológicos, que se interrelacionam e não podem ser tratados de forma isolada, pois a criança é um ser integral, que se relaciona com o seu ambiente e todas suas facetas?, analisa.
Assim, para fortalecer o desenvolvimento de todos, com igualdade, é essencial a garantia dos direitos da criança e do adolescente de forma integral. O ECA também chega a prever que haja uma descentralização das polÃticas de atendimento, saúde, prevenção de maus-tratos e trabalho infantil e demais serviços de proteção ao indivÃduo em desenvolvimento. Mas estamos cumprindo esses preceitos?
Uma rápida olhada ao redor mostra que não. O ECA é mais lembrado para questionar direitos, em épocas de ameaças de redução da maioridade penal, do que para garantÃ-los como sociedade. Porém, existem casos de educadores, conselheiros tutelares, defensores, promotores, além de organizações da sociedade civil, que tomaram para si a tarefa de efetivar o ECA e buscar, de maneira interessetorial, novas soluções para velhos problemas, ligando a escola com os demais equipamentos públicos e o sistema de garantia.
O Sistema de Garantia dos Direitos
O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) consolidou-se a partir da Resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) de 2006. Ele é formado pela integração e a articulação entre o Estado, as famÃlias e a sociedade civil como um todo, para garantir que a lei seja cumprida, que as conquistas do ECA e da Constituição de 1988 (no seu Artigo 227) não sejam letra morta. |