Ana LuÃsa Vieira, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. (Paulo Freire)
Declarado Patrono da Educação Brasileira em 2012, Paulo Freire (1921-1997) costumava dizer que a educação não pode ser ?bancária?. Ao educador, não cabe a tarefa de ?depositar? conhecimento em fileiras alinhadas de meninos e meninas. Afinal, os saberes são diferentes ? não há saber maior ou menor ? e devem ser, portanto, compartilhados.
O pernambucano criou uma filosofia educacional que busca refletir sobre o processo pedagógico. Nesse contexto, os CÃrculos de Cultura foram concebidos por Freire como momentos nos quais os educandos, sentados em roda, podem se olhar, dentro de um mesmo nÃvel hierárquico, com o objetivo de dividir conhecimentos.
Foi a partir de uma roda de conversa, realizada pela ONG Aldeias Infantis SOS Brasil no municÃpio de Caicó, localizado a 256 km de Natal, que o adolescente Igor Gomes da Costa, de 15 anos, decidiu militar contra o trabalho infantil.
Atualmente, em todo o mundo, 168 milhões de meninos e meninas trabalham ? sendo 85 milhões em atividades classificadas como as piores formas, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
?Soube da gravidade do problema e fui pesquisar na internet sobre o assunto. Resolvi participar de mais conversas na ONG. Achei que deveria falar cada vez mais sobre o trabalho infantil com todo mundo?, conta o garoto, filho de um pedreiro e uma dona de casa. ?Gosto de repassar o que aprendi para os amigos. Converso na minha rua, falo com meus vizinhos. Não fico quieto.?
Igor usou os ensinamentos aprendidos para transformar a realidade de um colega de sala, que trabalhava como servente de pedreiro pela manhã e à noite. ?Além de ser uma das piores formas, vi como ele estava perdendo rendimento, como chegava cansado à escola. O menino não conseguia fazer as tarefas e as atividades. As notas caÃram muito?, conta. ?Tem gente que me chama de chato, mas eu dei um sermão e consegui convencê-lo a aproveitar oportunidade de estudar e só trabalhar quando crescer.?
Lugar de criança é na infância
Igor é aluno da escola pública Severina Brito da Silva, no bairro de Samanaú. A escola conta com a parceria da ONG Aldeias, por meio do projeto ?Lugar de Criança é na Infância?. O programa, desenvolvido e apoiado pela Fundação Telefônica Vivo, já retirou 41% das crianças e dos adolescentes atendidos da situação de trabalho infantil, incentivando-os ao trabalho adolescente protegido. Também parceira do projeto Mais Educação, do governo federal, a escola oferece aos alunos atividades de contraturno (como aulas de vôlei, pintura em tecido, reforço no letramento e debates sobre cidadania).
Ao lado dos colegas Daniel, Francilene e Gislene, Igor, que frequenta a ONG há dois anos, foi aprovado no processo seletivo das turmas de Ensino Médio/Técnico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). É a primeira turma da escola a ingressar no Instituto ? as aulas começam em maio.
A conquista dos alunos foi anunciada pela ?difusora? (alto-falante) da igreja matriz da comunidade. ?Agradecemos à s famÃlias e à s comunidades por fazerem parte desse momento tão importante, com um discurso que enfatizou a importância da escola na vida das crianças e dos adolescentes?, conta a professora Maria Bernadete da Silva, de 60 anos, que, mesmo aposentada, não abandona as atividades na escola e nas Aldeias Infantis.
'Temos muito orgulho dele', diz a professora Bernadete | Crédito: Aldeias Infantis/Divulgação
Dedo de prosa
?Nossa pedagogia maior é a roda de conversa?, diz Bernadete, bastante popular na comunidade Samaraú. ?É preciso sempre trabalhar com as famÃlias. Por onde passo, as pessoas me chamam para tomar um cafezinho. A roda de conversa funciona tanto na escola quanto na casa de alguém, reunindo filhos, pais e avós.?
Para Bernadete, o momento é ideal para a abordagem de assuntos diversos, como cidadania, direitos humanos e trabalho infantil. ?O efeito é multiplicador: os meninos aprendem e ensinam os colegas. É uma grande recompensa para nós?, acredita Bernadete, relembrando um dos ensinamentos de Paulo Freire.
Igor não só se tornou porta-voz, como leva os amigos para conhecer e participar da ONG. Seu irmão mais novo, Iago, de 8 anos, apresentou em 2014, à época da Campanha É da Nossa Conta!, da Fundação Telefônica Vivo, uma peça sobre trabalho infantil. ?Aqui em casa, meus pais sempre ensinaram que trabalhar tem hora certa. O Iago é pequeno, mas também já sabe e ficou mais interessado no tema depois da atividade. Basta eu encontrar alguém parado, dizendo estar sem nada pra fazer, que eu já digo: ?Bora lá pro projeto!?? |